segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Causalidade e Determinismo

Heisenberg [1, 2] e Haile [3] abordam os conceitos de causalidade e determinismo numa forma que nos parece clara, e particularmente útil nas discussões sobre as interpretações das visões quântica e clássica da Natureza [4-6]. No que se segue tentaremos sintetizar.
Historicamente, o uso do conceito de causalidade como designação das leis de causa e efeito é relativamente recente. Na filosofia antiga, a palavra causa tinha um significado muito mais geral do que tem hoje. Os escolásticos, por exemplo, seguindo Aristóteles, falavam de quatro formas de causa: a causa formalis, a que hoje chamaríamos, talvez, a estrutura ou o esboço mental duma coisa; a causa materialis, ou seja, a matéria de que uma coisa se compõe; a causa finalis, que é o fim para que uma coisa foi feita, e a causa efficiens, que explica a coisa como consequência dum agente que a origina. Só esta última corresponde aproximadamente ao que hoje entendemos por causa.
O conceito de causa foi evoluindo ao longo dos séculos em estreita ligação com o conhecimento da realidade adquirido pelo homem, e com o aparecimento da ciência da natureza nos princípios da idade moderna. À medida que o homem foi adquirindo um maior grau de conhecimento dos processos materiais, a palavra causa foi sendo referida à ocorrência material que precedia a que se pretendia explicar e que, de algum modo, a tinha produzido.
Já em Kant, que, em muitos aspectos, não faz mais do que tirar as consequências filosóficas do desenvolvimento das ciências a partir de Newton, encontra-se a palavra "causalidade" empregada no sentido que se tornou usual desde o século XIX: "Quando verificamos que alguma coisa acontece pressupomos sempre qualquer outra coisa que, segundo uma regra, deu origem ao acontecimento".
Assim se foi, pouco a pouco, restringindo o alcance do princípio de causalidade, até se tornar equivalente à ideia de que um acontecimento natural é univocamente determinado, isto é, que o conhecimento preciso da natureza ou, pelo menos, de certo sector bem definido dela, basta, pelo menos teoricamente, para prever o futuro. Precisamente, a física newtoniana encontrava-se estruturada de tal modo que, conhecendo o estado de um sistema num dado instante, podia-se prever o futuro movimento do mesmo sistema.
A ideia de que, em última instância, assim ocorrem as coisas na natureza, encontrou, talvez, a sua expressão mais geral na ficção concebida por Laplace, de um demónio que, em certo instante, conhece a posição e a velocidade de todos os átomos, devendo encontrar-se em condições de calcular de antemão todo o futuro do universo. Quando à palavra causalidade se dá uma interpretação tão restritiva, fala-se antes em determinismo, entendo-se por tal, a doutrina segundo a qual existem leis naturais fixas, que determinam univocamente o estado futuro de um sistema a partir do seu estado actual.
O determinismo clássico-newtoniano foi complementado (não erradicado totalmente, sublinhe-se) pela mecânica quântica com a introdução de aspectos probabilisticos, os quais, a nosso ver, em nada  contradizem a objectividade da ciência. O problema essencial que a mecânica quântica levanta é o do significado de realidade objectiva que é frequentemente confundida com o conceito de objectividade da ciência. Mas isto será tema para outras discussões.

Referências

[1] W. Heisenberg, "A Imagem da Natureza na Física Moderna", Livros do Brasil, Lisboa, 1962.
[2] W. Heisenberg, "Physics and Philosophy", Penguin Books, 1990.
[3] J. M. Haile, "Molecular Dynamics Simulation. Elementary Methods",  J, Wiley & Sons, New York,  1992.
[4] J. Baggott, "Beyond Measure. Modern Physics, Philosophy and The Meaning of Quantum Theory", Oxford University Press, 2004.
[5] F. Fernandes, "The Interpretation of Quantum Mechanics Revisited", Coimbra University Press, 2011.
[6] F. Fernandes, "On Decoherence Theory", CCMM, Univ. Lisboa, 2012.