terça-feira, 11 de março de 2014

A Poesia e a Matemática

A poesia é simplesmente o meio mais belo, impressionante e largamente eficaz de dizer as coisas, escreveu Mathew Arnold, poeta inglês.

Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, clamou:

O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó - óóóóóóóóó - óóóóóóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora.)

Walt Whitman, poeta americano (a quem Álvaro de Campos dedicou "Saudação a Walt Whitman") diz no seu longo poema "Song of Myself":

[...]
Do I contradict myself?
Very well then I contradict myself,
(I am large, I contain multitudes.)
[...]

António Gedeão, poeta (pseudónimo de Rómulo de Carvalho,  físico e químico), declamou em "Pedra Filosofal":
[...]
Eles não sabem, nem sonham,
Que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mão de uma criança.

Eduardo Aleixo, poeta, conjuga o número e a palavra em "Rosto Puro e Sábio":

A máscara do número
E o vestido da palavra
encobrem o rosto puro
e sábio do silêncio...

Michael Guillen, físico, matemático e astrónomo americano, escreveu no livro de 1995 "Cinco Equações que Mudaram o Mundo":

Na linguagem da matemática, as equações são como a poesia: estabelecem as verdades com uma precisão única, condensam vastas quantidades de informação em poucas palavras [...] e, tal como a poesia convencional nos ajuda a encarar as nossas profundezas interiores, a poesia matemática ajuda-nos a olhar para além de nós - se não até ao Céu, pelo menos até ao limite do universo visível. Ao tentar distinguir a prosa da poesia, Robert Frost [poeta americano] sugeriu certa vez que um poema, por definição, é uma forma concisa de expressão que nunca pode ser rigorosamente traduzida. O mesmo se pode afirmar da matemática: é impossível compreender o verdadeiro significado de uma equação, ou apreciar a sua beleza, se não for lida na linguagem deliciosamente peculiar em que foi escrita. Foi precisamente por isso que escrevi o presente livro.

Este livro de divulgação guia o iniciado num belo passeio através do significado e consequências da poesia de cinco equações. Desde Isaac Newton (1642-1727) até Albert Einstein (1879-1955) passando por Daniel Bernoulli (1700-1782), Michael Faraday (1791-1867) e Rudolf Clausius (1822-1888).

Como são os astronautas orientados nas suas viagens através do espaço? Como circula o sangue nas nossas veias, qual o fundamento dos aparelhos de medição da tensão arterial e porque voam os aviões? Donde vem a energia eléctrica que nos alumia e nos oferece outras inúmeras aplicações de que usufruímos diariamente? Como pode converter-se calor em trabalho útil, qual o rendimento das máquinas a vapor, o que regula a emergência da vida e porque se prevê a morte térmica do Universo? Porque razão não são o espaço, o tempo e a massa propriedades absolutas? Como pode converter-se massa em energia e vice-versa? Porque razão se encurva um raio de luz quando passa perto de um astro? Quais os factores a considerar para o correcto funcionamento do GPS e de imagens televisivas? etc., etc.

Ian Stewart, matemático inglês, em 2013 publicou "17 Equações que Mudaram o Mundo". Um livro de divulgação incluindo as equações do livro de Guillen, embora numa forma mais profunda, e respondendo também às questões anteriores e a muitas outras. Stewart diz no prefácio:

Muitas pessoas preferem palavras a símbolos; a linguagem dá-nos também poder sobre o que nos rodeia. Mas a ciência e tecnologia entendem que as palavras são frequentemente imprecisas e limitadas para indicar um caminho efectivo em busca de aspectos mais profundos da realidade. Elas são por demais coloridas por preconceitos humanos. As palavras, por si só, não nos podem dar visões essenciais. As equações podem. Elas têm sido um dos motores da civilização humana por milhares de anos. Através da história, as equações têm puxado os fios da sociedade. Escondidas atrás das cenas, certamente - mas a influência estava lá, reconhecida ou não. Esta é a história da ascenção da humanidade, contada através de 17 equações.

O prefácio do livro cita também Robert Recorde, médico e matemático britânico que em 1557 implementou um dos símbolos mais característicos das equações:

Para evitar a repetição maçadora das palavras: "é igual a", estabeleço, como faço no meu trabalho, um par de paralelas, ou linhas gémeas de igual comprimento: "=", porque nenhuma destas duas coisas podem ser mais iguais.

Bem hajam a Poesia e a Matemática. Oferecem-nos o belo e o útil, iluminam-nos a vida e o futuro. Aguardemos por mais casamentos entre o Passado, a Prosa, a Poesia, a Ciência...

Referências
[1] Álvaro de Campos, em Arquivo Pessoa.
[2] Walt Whitman, "Song of Myself".
[3] António Gedeão, "Pedra Filosofal".
[4] Eduardo Aleixo, "À Beira de Água".
[5] Michael Guillen, "Cinco Equações que Mudaram o Mundo", Gradiva, 3ª edição, 2004.
[6] Ian Stewart, "17 Equations that Changed the World", Profile Books, UK, 2013.
[7] David Bodanis, "E = mc2, A Biografia da Equação mais Famosa do Mundo", Gradiva, 2001.