sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Potencial Químico, Fugacidade e Atividade

Resumo

As forças intermoleculares são a causa das diferenças dos sistemas reais relativamente aos modelos ideais que assumem essas forças como inexistentes ou idênticas entre moléculas iguais e diferentes. Até que ponto os desvios são significativos depende da pressão, temperatura, concentração e natureza das espécies. Por exemplo, os gases têm um comportamento quase ideal a pressões que não excedam cerca de 1 bar bem como as misturas de benzeno e tolueno a 25 °C, mas soluções aquosas de ácido clorídrico afastam-se da idealidade a concentrações relativamente baixas. Os conceitos de fugacidade e de atividade, introduzidos pelo químico-físico Gilbert Lewis no início do século XX, baseiam-se no conceito de potencial químico e têm como objetivo englobar o efeito das forças intermoleculares de modo a adaptar os modelos ideais aos sistemas reais. A fugacidade define-se para qualquer sistema, embora o nome sugira que é restrita ao estudo dos gases. A atividade é uma grandeza relativa, definida pela razão entre a fugacidade do sistema, numa dada condição, e a do estado padrão do seu potencial químico.

domingo, 16 de outubro de 2016

Monkey Business: A Genetic Algorithm Model


Monkey Business illustrates the reproduction of the famous Shakespeare phrase "To be or not to be, that is the question!" by a simple genetic algorithm.  It was inspired by the American physical chemist Henry Bent regarding the 2nd Law of Thermodynamics: "At room temperature, for example, conversion of a single calorie of thermal energy completely into potential energy is a less likely event than the production of Shakespeare's complete works fifteen quadrillion times in succession without error by a tribe of wild monkeys punching randomly on a set of typewriters."   The model uses successive strings (phrases) from a random population without crossover but mutating, with a fixed probability to match the given phrase. Strings are kept or discarded using a fitness function as described in the documentation.

free download: Monkey Business

Uma história...

Fédor Darapski nasceu em Karskod, Polónia, em 1774. Foi incorporado no exército russo aos 22 anos de idade e cedo participou num motim pelo qual foi condenado à morte.
Num momento de compaixão, a imperatriz Catarina comutou a sentença para prisão perpétua com uma ração de 1 kg de pão escuro e 1 jarro de água fria por semana.
A natureza generosa e indulgente das autoridades russas levou-as a reconsiderar, e Fédor foi libertado no dia dos seus 90 anos pois, afinal, o motim tinha sido um fiasco!

(em “Order and Chaos. Laws of Energy and Entropy”, S. Angrist and L. Hepler, Pelican Books, 1973)

A história é falaciosa, a não ser que:

- o pão russo da época fornecesse muito mais kilocalorias do que o pão actual.
- Fédor tivesse sido mais hábil a obter comida por outras vias do que foi no motim onde esteve envolvido.
- ao longo dos anos os contadores de histórias tivessem “dourado a pílula” reduzindo a quantidade de pão sentenciada.
- a unidade kg referida fosse mais do que duas vezes a convencionada presentemente.

Onde está a falácia?

- 1 kg de pão/semana teria fornecido < 400 kcal/dia.
- Mesmo que o peso de Fédor tivesse descido a < 40 kg, teria necessitado, pelo menos, de ~1200 kcal/dia para sobreviver se dormisse 12h, e durante as outras 12h estivesse acordado, mas sentado sossegadamente na sua cela.
- A 1ª Lei da termodinâmica, tal como outras leis da natureza, não tem exceções para o Homem.
- Um ser humano tem de consumir uma determinada quantidade de energia/dia para manter a temperatura do seu corpo, sustentar os seus processos respiratório e circulatório e construir e substituir os seus tecidos.

Note-se:

Hidratos de carbono, lípidos e proteínas são as substâncias que fornecem a energia
(através de reações de combustão) e quase todo o material necessário para sustentar a vida e construir os tecidos.

A 1ª Lei da Termodinâmica:

- O cientista:

“Energia fornecida = Trabalho interno + Trabalho externo”

- O poeta (António Aleixo):

“Quem trabalha e mata a fome
Não come pão de ninguém
Quem não ganha o pão que come
Come sempre o pão de alguém”

- O provérbio:

“Quem cabritos vende e cabras não tem de algum lugar lhe vêm”

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Números Perfeitos e Santo Agostinho

Pitágoras (~571 - 497 a.C.) e os seus discípulos deram particular atenção aos números perfeitos. Um número perfeito é aquele cujos divisores têm como soma o próprio número.
Por exemplo, os divisores de 6 são 1, 2 e 3, portanto 6 é um número perfeito porque 1+2+3=6. O número perfeito seguinte é 28 pois os seus divisores são 1, 2, 4, 7 e 14 cuja soma 1+2+4+7+14=28. À medida que os números inteiros se tornam maiores, os números perfeitos são mais difíceis de encontrar. O terceiro número perfeito é 496, o quarto é 8.128, o quinto é 33.550.336, o sexto é 8.589.869.056, etc.
Além de ter um significado matemático para os pitagóricos, a perfeição dos números 6 e 28 era reconhecida por outras culturas que notavam que a Lua tem uma órbita com um período de 28 dias e que Deus tinha criado o mundo em 6 dias.
Na "Cidade de Deus", Santo Agostinho (354 - 430 d.C.) diz que embora Deus pudesse ter criado o mundo num instante, tinha decidido fazê-lo em 6 dias como testemunho da perfeição do Universo. No entanto, observa que 6 não é perfeito porque Deus o escolheu, mas porque a perfeição é inerente à natureza do número:
<< 6 é um número perfeito por si mesmo, e não porque Deus criou todas as coisas em seis dias: na verdade, o inverso é que é o verdadeiro; Deus criou todas as coisas em seis dias porque este número é perfeito. E permaneceria perfeito mesmo se o trabalho dos seis dias não existisse>>.

Referência
“O Último Teorema de Fermat”, Simon Singh, Relógio de Água, 1998.

Um Exemplo de Crescimento Exponencial

Este exemplo é descrito por Leonard Smith (professor da London School of Economics) no livro "Chaos", Oxford University Press, 2007.

"Há alguns meses, recebi o email de um velho amigo da escola primária. Continha um outro email remetido por uma aluna da 3ª classe, Miss Nagel, de uma escola primária da Carolina do Norte, cuja turma estava a estudar geografia. Solicitava que quem lesse a mensagem respondesse para o email da escola dizendo onde vivia, para que os alunos localizassem a residência no mapa-globo da escola. Pedia também que cada leitor enviasse o email a 10 amigos.
Não reenviei a mensagem para ninguém, mas escrevi um email para a turma de Miss Nagel dizendo que eu estava em Oxford, Inglaterra. Sugeri, também, que falassem com o seu professor de matemática acerca da experiência e que a usassem como um exemplo ilustrativo do crescimento exponencial: se enviassem a mensagem para 10 pessoas, e no dia seguinte cada pessoa a enviasse para mais dez pessoas, no 3º dia haveria 100 emails, no 4º dia 1000 e, após cerca de uma semana, mais emails do que endereços de email existentes. Num sistema real, o crescimento exponencial não pode continuar indefinidamente: nós esgotamos eventualmente o arroz, ou o espaço do jardim, ou novos endereços de email. São muitas vezes os recursos que limitam o crescimento: mesmo um luxuriante jardim apenas fornece uma quantidade limitada de comida para coelhos. Há limites para o crescimento os quais restringem as populações, se não os nossos modelos de populações.
Nunca soube se a classe de Miss Nagel aprendeu a lição sobre crescimento exponencial. A única resposta que recebi foi uma mensagem automática informando que a caixa de entrada de emails para a escola tinha excedido a sua quota e tinha sido encerrada"

sábado, 22 de março de 2014

Romeu de Melo: "o mais solidário dos homens com o que ainda vale a pena no mundo"

"[...] Desta perspectiva em que a cultura e liberdade se fundem como condição de espírito, derivaram as variantes da sua reflexão filosófica posta em vários ensaios e em ficção mesmo científica. Resoluto acusador do vírus mediocrático a que são vulneráveis as democracias, incansável foi o seu pugnar pelo desbravamento da cultura sequestrada pelos poderes, pois entendia o sujeito cultural como lídimo intérprete do sentido finalista da evolução humana: o espírito irradiando na culminação da liberdade. E, sublinhe-se, liberdade e nobreza de conduta eram o timbre desse maravilhoso amigo que, na solidão do seu horror a fachadas que apregoam falsos valores, era o mais solidário dos homens com o que ainda vale a pena no mundo", escreveu Natália Correia no obituário de Romeu de Melo em Dezembro de 1991.

Romeu de Melo (1933-1991), licenciado em economia, legou-nos uma extensa obra filosófica, de ensaio e de ficção, abrangendo vários temas de considerável importância social, política e científica. Viveu muitos anos em Mértola, onde o conheci no início da década de 1950 ainda na minha infância. A despeito de ter mais doze anos do que eu, estabeleceu-se entre nós, desde então, uma amizade para a vida. No meu 3º ou 4º ano do liceu, deu-me algumas explicações de álgebra e geometria seguindo os livros do matemático J. Jorge G. Calado (pai de Jorge Calado, futuro químico, professor do IST, e colunista de arte e de ópera). Romeu falava-me a propósito, com entusiasmo contagiante, sobre a hipótese, o axioma e a tese, rabiscando algumas notas nas margens dos meus livros. E, num desses dias, sentado à secretária da sua recheada biblioteca, disse-me: "Amicus, vou ler-te um conto!" e, pegando numas folhas datilografadas, começou com voz grave, cavernosa e misteriosa:

"O rapazinho estudioso sentiu um estremecimento interior, e ficou a pensar se seria aquele o sinal.
Ele temia um sinal, mas não sabia qual a sua forma nem a sua cor... As suas convicções tinham de ruir, e um monstrozinho interior - a decepção e o descrédito dos outros - havia de surgir-lhe na sua frente, para lhe dizer:
- Acorda! Todos os ideais da tua juventude se consumiram...
- Acorda! Acorda! Já és um homem.
E depois, pensava o rapazinho estudioso, o monstro havia de aparecer na sua frente, bamboleando-se como um arlequim pantomineiro, com os guizos a chocalharem e o seu chapéu de muitos bicos a dançarem-lhe na cabeça. E diria ainda:
- Estás acordado? Então, rapazinho estudioso, vai dizer pelo mundo que os que costumam sonhar - como tu fazias - ainda terão de haver-se comigo. Diz-lhes que lhes aparecerei na frente, para contar- lhes uma história feia, e convidá-los a abrirem os olhos da maturidade e da experiência.
Passados uns minutos de angústia, o menino estudioso revoltou-se contra aquela sua imagem... Quis expulsar de vez o monstrozinho que ele nesmo criara dentro de si, e gritou - lá para dentro do seu íntimo:
- Vai-te monstro! E vai tu dizer, aos jovens de todo o mundo, que eu serei eternamente jovem. Diz-lhes que eu nunca «abrirei os olhos» para desconfiar dos homens, e viver num mundo de esclarecida mesquinhez.
Anda ! - gritou com mais força, para dentro de si . - Vai contar a todo o mundo que jamais serei adulto...
"

Eu, boquiaberto, bebia-lhe as palavras. O que era isto?... O rascunho da sua estreia na ficção, em 1959: "AK: a Tese e o Axioma".

Um de outros temas a que se dedicou foi a filosofia política. Por exemplo, na antologia "Os Intelectuais e a Política", após explicar o seu conceito de intelectual (onde concluí que não é intelectual quem quer, mas quem é, e que a intenção e ação permanente do verdadeiro intelectual é a busca da verdade), interroga-se: não querem os intelectuais governar? ou não podem governar? A resposta é longa, porventura polémica, dizendo, entre muitos argumentos, o seguinte:

"[...] Parece-nos, pela sequência dos raciocínios expostos, que os intelectuais governam sempre, ainda que de diversos modos. Mas que o grau de intelectualidade está mais ou menos relacionado com as formas possíveis de governação, ou seja, quanto mais intelectual é um homem, mais adequado lhe é um determinado tipo de governação e orientação. Se é um grande intelectual, tenderá a fugir da «praça pública», com disse Nietzsche, para procurar a crista da montanha remota de onde desferirá os dardos que, transmutando-se através de outras e mais outras formas de conhecimento e de acção, irão atingindo o mundo do real e das relações humanas. Os grandes intelectuais predicaram religiões e morais; os intelectuais menos dotados, normalmente, reservaram para si os papéis de juristas ou de doutrinadores políticos. Os mais-intelectuais lançaram as bases de concepções do mundo, ou os fundamentos das ciências; os menos dotados fizeram experiências práticas e inventaram engenhos (ressalvem-se aqui os casos de um Arquimedes ou de um Galileu, entre outros). Não estamos a postular, é claro, mas simplesmente a buscar linhas mestras que nos ajudem a clarificar o problema [...]".

Assim era Romeu de Melo, polémico, de humor subtil por vezes cáustico, um magistral contador de histórias, um filósofo, ensaísta e ficcionista brilhante e, acima de tudo, "o mais solidário dos homens com o que ainda vale a pena no mundo" como disse Natália Correia. Teve uma influência indelével no meu gosto pela filosofia, história e ficção. Que estavam sempre presentes, também, nos nossos saudosos passeios e banhos no rio Guadiana, durante as tardes escaldantes do verão em Mértola, na companhia de outros amigos e amigas, em particular da sua irmã mais nova, Isabel Melo (futura médica), minha colega até ao 5º ano do liceu no Externato D. Sancho II. As Azenhas de Mértola era um dos sítios preferidos do rio, onde Romeu adorava meditar e escrever.
Encontrámo-nos pela última vez em Novembro de 1991. Num almoço memorável com as minhas colegas Raquel Gonçalves-Maia e Lídia Albuquerque. Ofereceu-me os três volumes das suas "Reflexões", com um brilhozinho nos olhos e palavras afetuosas. No mês seguinte, partiu a caminho do espaço etéreo. Até sempre, Amicus!

Rio Guadiana querido... imagens do meu olhar...
    Fernando Fernandes, Romeu de Melo e António Fernandes; Azenhas, Agosto 1953

Ricardo Lopes, Luísa Sales, Dr. Sales (junto do borrego), Romeu de Melo, Manuela Rodrigues, Victória Melo e Isabel Melo; Azenhas, Setembro 1958

 Fernando Fernandes e Romeu de Melo; abaixo da Casa Amarela, Agosto 1959
                                                
~1960

em "Reflexões", 1991

Diário de Notícias, 19/12/1991

Referências
[1] Romeu de Melo, "AK: a Tese e o Axioma", Porto, 1959.
[2] Romeu de Melo, "Ensaio sobre a Cultura", Editorial Presença, 1963.
[3] Romeu de Melo, "Os Intelectuais e a Política", Editorial Presença, 1964.
[4] Romeu de Melo, "Reflexões-1. Política, Filosofia, Sociologia, Antropologia", Publicações D. Quixote, 1986.
[5] Romeu de Melo, "Reflexões-2. A Natureza da Guerra, A Fenomenologia da Guerra e Outros Ensaios", Publicações D. Quixote, 1986.
[6] Romeu de Melo, "Reflexões-3. Filosofia Política, Sociologia, Cultura Portuguesa, Temas Literários", Editorial Notícias, 1990.
[7] Em Memória de Romeu de Melo, 2013.